O presidente Jair Bolsonaro, em 28 de dezembro de 2020,
esteve no Estádio da Vila Belmiro, em Santos (SP), onde, além de marcar um gol
em jogo festivo, ele voltou a boicotar medidas sanitárias contra a covid-19. Em
declaração à imprensa, ainda no gramado, o presidente elogiou os protestos
feitos em Búzios (RJ), Fortaleza (CE) e Manaus (AM) contra o fechamento do
comércio. "Sei que a vida não tem preço. Mas não precisa ficar com esse
pavor todo", disse o presidente. "Vi que o povo em Manaus ignorou o
decreto do governador do Amazonas", completou.
As manifestações na capital do Amazonas levaram o governador
a recuar e reabrir o comércio no Estado. Menos de um mês mais tarde, a capital
Manaus vive o pior momento da pandemia, com colapso no sistema de saúde e falta
de oxigênio para pacientes da covid-19 e até a bebês prematuros.
As aglomerações de fim de ano, além da circulação de uma
nova variante da covid-19, são fatores tidos como determinantes para a explosão
de internações em Manaus, segundo o governo estadual e especialistas.
Bolsonaro não apenas apoiou as aglomerações, como seu
governo minimizou alertas de que Manaus poderia colapsar. O presidente negou
responsabilidades pela crise e disse que cabe ao governo federal somente
repassar recursos para o combate à pandemia. “Fizemos nossa parte, com recursos
e meios”, disse.
A postura do governo, porém, levou a Procuradoria da
República no Amazonas a determinar a abertura de inquérito civil para apurar se
houve falha no apoio ao Estado e opção por indicação de “tratamento precoce com
eficácia questionada”.
O questionamento dos procuradores faz menção à visita do
ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e sua equipe ao Estado. Mesmo sob alertas de
colapso em Manaus, a comitiva da Saúde apostou em uma arma ineficaz: o
tratamento precoce, ou seja, o uso de medicamentos sem eficácia para a
covid-19, como a cloroquina. A falta da prescrição destes medicamentos foi
apontada por Bolsonaro como um dos maiores motivos da crise em Manaus.
Pazuello deixou a cidade em 13 de janeiro, na véspera de
alguns hospitais ficarem sem oxigênio e pacientes morrerem asfixiados. Os
procuradores apontam que o governo só mobilizou o transporte dos cilindros de
oxigênio e a transferência de pacientes a outros Estados, por meio de aviões da
Força Aérea Brasileira (FAB), no dia 14, quando a crise ganhou projeção
nacional. Antes disso, porém, o governo local já alertava sobre a falta do
insumo, segundo ofício que determina a apuração.
A Procuradoria deve questionar os ministérios da Saúde, da
Defesa e o governo local sobre a pressão pelo uso do “tratamento precoce”, além
da resposta aos alertas sobre a crise no Amazonas. A empresa White Martins, que
fornece oxigênio ao governo local, deve ainda explicar se alertou o ministério
de Pazuello sobre a falta do insumo.
O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), evita críticas
a Bolsonaro e ao ministro Pazuello pela crise em Manaus. O Estado depende do
apoio federal. Nos bastidores, no entanto, auxiliares do governador reclamam
que Pazuello recebeu Lima em Brasília, no último dia 6, ouviu que o quadro era
grave e que a nova cepa pode aprofundar a crise no País, mas não respondeu à
altura. “O problema é muito grave por conta da pandemia. Estamos chegando ao
nosso limite e vim fazer um apelo ao ministro para que aumente o socorro para o
Amazonas”, disse Lima após reunião com Pazuello, na última semana.
Alerta da cunhada
Na segunda-feira, 11, Pazuello mostrou que conhecia a crise
por oxigênio. O ministro, que viveu e tem família em Manaus, citou um caso
próximo, mas minimizou o colapso. “Quando cheguei na minha casa, ontem, estava
a minha cunhada... o irmão (dela) não tinha oxigênio nem para passar o dia.
Acho que chega amanhã. O que você vai fazer? Nada. Então, vamos com calma.
Calma com suas reivindicações pessoais”, disse ele.
No mesmo discurso, Pazuello reforçou que o uso do tratamento
que já foi apontado pela ciência como sem eficácia amenizaria a crise. Ele
disse que era preciso cobrar a prescrição de profissionais de saúde, diretores
de hospitais e conselhos profissionais. “A medicação pode e deve começar antes
desses exames complementares (de diagnóstico). Caso o exame lá na frente der
negativo, reduz a medicação e tá ótimo. Não vai matar ninguém”, disse Pazuello.
Em Manaus, também lançou o TrateCOV, aplicativo para médicos
que ajuda no diagnóstico e indica o uso do “tratamento precoce”. Em ofício à
Secretaria de Saúde de Manaus, o ministério chegou afirmar que é “inadmissível”
não prescrever antivirais contra a covid-19 – Estadão.
Carlos Magno
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