Uma série de nove encontros da cúpula do Congresso com
grandes empresários, representantes de bancos e do mercado financeiro resultou
num movimento político pela intervenção nos rumos do governo de Jair Bolsonaro.
Os mais de 300 mil mortos na pandemia de covid-19 e a situação cada vez mais
insustentável da economia levaram os presidentes da Câmara, Arthur Lira
(Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a afinar o discurso
com o mercado. Os dois têm colocado o impeachment como possibilidade se as
conversas com o governo fracassarem.
As cobranças mais urgentes do setor econômico são a demissão
dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente,
Ricardo Salles. A avaliação recorrente nas reuniões é de que Araújo atrapalha
as negociações por vacinas e insumos da Índia e da China. Já Salles, que
comanda a criticada política ambiental brasileira, é visto como obstáculo na
relação com Washington, especialmente agora que o País mira as vacinas
excedentes dos Estados Unidos.
Interlocutores de Lira e Pacheco argumentam que, no caso
específico, é errada a leitura de que a pressão pela troca dos dois ministros –
verbalizada por eles – tenha como objetivo lotear o governo, uma demanda
constante do Centrão. O intuito é atender à principal reivindicação do setor
econômico e, de quebra, garantir um “ganho de imagem” perante seus novos
interlocutores.
Na noite da última segunda-feira, Washington Cinel,
empresário do ramo de segurança privada, recebeu os presidentes da Câmara e do
Senado em sua casa na Rua Costa Rica, no Jardim Europa, em São Paulo.
Participaram do encontro presencial e remoto Luiz Carlos Trabuco Cappi
(Bradesco), Carlos Sanchez (SEM) e André Esteves (BTG Pactual). As conversas à
mesa de jantar foram precedidas por discursos breves de Lira e Pacheco, do
anfitrião Cinel e dos também empresários Abílio Diniz e Flávio Rocha, que
falaram por videoconferência. Uma das manifestações mais duras foi a de
Pacheco. Mas, segundo presentes, não houve “tom panfletário” em público.
Os empresários relataram que a crise sanitária bloqueia
investimentos externos e atinge diretamente os planos de abertura de capital de
empresas, o IPO. “Quem quer fazer IPO não consegue ter grandes resultados,
porque ninguém tem segurança de botar dinheiro no Brasil, principalmente pela
condição sanitária”, disse o deputado Dr. Luizinho (Progressistas-RJ), presente
ao encontro.
Jantares como este ocorrem com regularidade. Os encontros
são promovidos uma vez por mês por nomes como Cinel e João Camargo, filho do
ex-deputado José Camargo. Segundo um parlamentar que já esteve no convescote,
eles se reúnem para tomar vinho e convidam um político para “cantar”. Lira era
o convidado principal desta vez. Pacheco já estava em São Paulo e acabou sendo
incluído.
Antes, Lira e Pacheco haviam passado na casa de Claudio
Lottenberg, homem forte do Hospital Israelita Albert Einstein. Lá havia um
grupo menor de empresários do setor de saúde. A conversa foi sobre a escassez
de sedativos e analgésicos, medicamentos usados para intubação de pacientes com
quadro grave de covid-19, em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). A falta
atinge o SUS e hospitais da rede privada.
Os dirigentes do Congresso também têm frequentado a
Febraban, a Fiesp e participado de agendas fechadas em São Paulo com nomes de
peso. No último dia 2, Pacheco esteve com Milton Maluhy Filho (Itaú), Octavio
de Lazari Jr. (Bradesco) e Roberto Sallouti (BTG). Um dia antes, os dois
políticos falaram na Fiesp para Abílio Diniz e Rubens Menin. Em 25 de fevereiro
Lira já havia estado com Sergio Rial (Santander), entre outros.
Demitir ministros pode ser traumático para Bolsonaro. A
substituição de Salles, por exemplo, implica uma ruptura com a faixa média dos
ruralistas, justamente o setor que desde o início apoiou a campanha do
presidente, em 2018. Os líderes do Centrão têm deixado claro, porém, que a
sobrevivência do governo depende das mudanças.
Vacina
Um outro encontro de Pacheco por videoconferência foi
organizado no último dia 11 pela Associação Brasileira de Incorporadoras
Imobiliárias (Abrainc). Luiz Antônio França, presidente da entidade que reúne
grandes construtoras, afirmou que o objetivo da conversa foi buscar o melhor
para a economia. “O que a gente percebe é um alinhamento entre as duas Casas
(do Congresso)”, disse França. “E o que é o melhor para a economia? Primeiro,
resolver a pandemia. Depois, um país com capacidade de investimento e
crescimento”, completou. “A prioridade é vacinar.”
Uma queixa, em especial, marcou as reuniões com as presenças
de Lira e Pacheco. Os empresários destacaram que as medidas para conter o
avanço da pandemia dependem do Executivo, razão pela qual, desta vez, não há
como tratar Bolsonaro como “café com leite”. Trata-se de uma situação diferente
do processo de votação da reforma da Previdência, por exemplo. Na época, o
presidente era contra a proposta, mas o Legislativo deu de ombros e aprovou a
medida.
Em sintonia com empresários e mercado, líderes do Centrão
dizem que, diante do fracasso no controle da pandemia, o presidente não terá
mais a tolerância do Congresso. “Bolsonaro está no fio da navalha. Se a coisa
fugir do controle, se ele quiser fazer tudo do jeito dele, fora da ciência, não
tenha dúvida de que nós vamos atropelar”, disse o deputado Fausto Pinato
(Progressistas-SP).
Pinato advertiu que “ninguém” quer afrontar o presidente,
mas ele precisa assumir a liderança dentro de uma “racionalidade mundial”, e
não na “destemperança” da ala ideológica. “O impeachment está descartado, desde
que ele mantenha esse diálogo construtivo. Se tiver ameaça de choque
institucional ou sair da racionalidade no combate à pandemia, ninguém vai pular
no buraco com ele, não”, resumiu o parlamentar – Estadão.
Carlos Magno
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