O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou com
vetos a Lei 14.197, de 2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170,
de 1983), criada durante a ditadura militar. Além de revogar a LSN, o texto
aprovado pelo Congresso estabelece uma série de tipos penais em defesa do
Estado Democrático de Direito. Bolsonaro, porém, vetou vários artigos, entre
eles o que previa até cinco anos de reclusão para quem cometesse o crime de
“comunicação enganosa em massa”. A sanção foi publicada no Diário Oficial da
União desta quinta-feira (2).
Segundo Bolsonaro, a tipificação das fake news contraria o
interesse público “por não deixar claro qual conduta seria objeto da
criminalização”. De acordo com o presidente, “a redação genérica” do artigo não
especificava se a punição seria para quem gera ou para quem compartilha a
notícia falsa. “Enseja dúvida se o crime seria continuado ou permanente, ou
mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser
entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível”, argumenta.
Para Bolsonaro, que é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no
inquérito das fake news, o dispositivo
poderia “afastar o eleitor do debate político”, “inibir o debate de ideias” e
“limitar a concorrência de opiniões”.
Foto: Marcos Corrêa/PR
O presidente da República também vetou um dispositivo que
permitia aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional
promover ação privada subsidiária caso o Ministério Público não atuasse no
prazo estabelecido em lei. A previsão valeria apenas para os chamados crimes
contra as instituições democráticas no processo eleitoral (interrupção do
processo eleitoral, comunicação enganosa em massa e violência política).
Para Bolsonaro, a medida “não se mostra razoável para o
equilíbrio e a pacificação das forças políticas” e poderia “levar o debate da
esfera política para a esfera jurídico-penal”. “Não é atribuição de partido
político intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado”,
justificou.
O presidente barrou ainda o capítulo que tipificava como
crime o atentado a direito de manifestação, com pena que poderia chegar a 12
anos de reclusão. Para Bolsonaro, haveria “dificuldade” para caracterizar “o
que viria a ser manifestação pacífica”: “Isso colocaria em risco a sociedade, uma
vez que inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em
momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente
pacíficas poderiam resultar em ações violentas, que precisariam ser reprimidas
pelo Estado”, disse.
Militares
Bolsonaro também vetou o inciso que aumentava a pena para
militares envolvidos em crimes contra o Estado Democrático de Direito. Pelo
projeto, eles estariam sujeitos a perda do posto, da patente ou da graduação.
Para o presidente, o dispositivo “viola o princípio da proporcionalidade”.
“Coloca o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais,
além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento
emanadas de grupos mais conservadores”, escreveu.
O Palácio do Planalto vetou outras duas hipóteses de aumento
de pena nos crimes contra o Estado Democrático de Direito: se cometido com
emprego de arma de fogo ou por servidor público. “Não se pode admitir o
agravamento pela simples condição de agente público em sentido amplo”,
justificou.
O que diz a lei
Algumas regras da extinta Lei de Segurança Nacional foram
incorporadas ao Código Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 1940) em um título que
trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Os capítulos punem
violações à soberania nacional, às instituições democráticas, ao processo
eleitoral, aos serviços essenciais e à cidadania.
A nova lei tipifica o crime de tentativa de abolição do
Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos
Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da
pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado
propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o
governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena
correspondente à violência.
Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes,
com o fim de provocar atos típicos de guerra ou invasão pode gerar prisão de 3
a 8 anos — e pena aumentada da metade até o dobro se for declarada guerra em
consequência dessa ação. Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de
desmembrar parte do território nacional para constituir país independente tem
pena prevista de 2 a 6 anos, além da pena correspondente à violência.
O texto prevê ainda crimes contra o processo eleitoral
(interrupção do processo, violência política e ação penal privada subsidiária)
e de sabotagem contra o funcionamento de “serviços essenciais” — os meios de
comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à
defesa nacional.
A nova lei também revoga um artigo da Lei das Contravenções
Penais (Decreto-Lei 3.688, de 1941) que trata dos crimes referentes à paz
pública. O dispositivo revogado previa prisão por seis meses para quem
participasse em segredo de associação periódica de mais de cinco pessoas.
A nova lei é resultado do projeto de lei (PL) 2.108/2021,
que tramitou por 30 anos no Congresso Nacional. O texto foi aprovado por
deputados em maio e pelos senadores em agosto deste ano. O relator foi o
senador Rogério Carvalho (PT-SE). Durante a discussão da matéria, Carvalho
sublinhou que a Lei de Segurança Nacional foi usada pelo governo para punir
opositores do presidente Jair Bolsonaro. O número de inquéritos instaurados com
base na lei aumentou a partir de 2019 e chegou a 51 em 2020 – Agência Senado.
Carlos Magno
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