Aproximadamente três meses após a morte da pequena Maria
Fernanda de Camargo, de 5 anos, em suposto ritual de cura, em Frutal, no
Triângulo Mineiro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou a mãe,
avós maternos, tia, um guia espiritual e o auxiliar dele por homicídio
triplamente qualificado.
Segundo o MPMG, em nota oficial, divulgada nessa terça-feira
(14/6), o crime foi praticado contra uma criança, do sexo feminino, em contexto
de violência doméstica e familiar, com emprego de fogo e recurso que dificultou
a defesa do ofendido.
Foto: Celly de Paula/Rádio 97 FM
Ainda conforme o MPMG, o guia espiritual e o assistente
foram denunciados por homicídio triplamente qualificado, segundo as seguintes
condutas descritas no Código Penal: artigo 121, parágrafo 2º, incisos III, IV e
VI simultaneamente com parágrafo 2-A, I, e parágrafo 7º simultaneamente com os
artigos 29 e artigo 347.
“Já os parentes da vítima foram denunciados por homicídio
triplamente qualificado por contribuírem materialmente com o ritual e pela
omissão penalmente relevante, condutas que se amoldam ao artigo 121, parágrafo
2º, incisos III, IV e VI simultaneamente com o parágrafo 2-A, I, e parágrafo
7º, com incidência dos artigos 13, parágrafo 2º (a, b e c) e artigos 29 e 347,
todos do Código Penal”, explicou o MPMG.
Atualmente, a mãe, avó materna e tia de Maria Fernanda, além
do guia espiritual, estão presos cautelarmente em presídios Frutal e Uberaba.
A Justiça de Frutal concedeu ao avô liberdade provisória,
com fixação de medidas cautelares, em razão da idade.
“O MPMG pediu ainda a prisão preventiva do assistente do
suposto “pai de santo”, cuja participação na morte da menina só foi descoberta
posteriormente. O pedido feito à Justiça ainda não foi analisado”, diz outro
trecho da nota do MP de Minas.
Um guia espiritual
para não perder marido
O MPMG também destacou que, de acordo com as investigações,
no dia 23 de março deste ano, em Frutal (residência dos avós maternos de Maria
Fernanda), os seis denunciados, durante um ritual, banharam a criança com
álcool e, utilizando-se de uma vela acesa, atearam fogo nela, gerando
queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus, por quase toda superfície
corpórea e queimaduras das vias aéreas, sendo essa a causa eficiente de sua
morte, conforme laudo de necropsia.
“A criança, conforme descrito na denúncia, teria sido
banhada por álcool durante o ritual. O suposto “pai de santo”, ao acender uma
vela e passá-la pelo corpo da vítima teria provocado a combustão.
Apurou-se que os familiares tinham o dever legal de evitar o
perigo, auxiliaram materialmente no ato que banhou a criança com álcool e não
impediram o resultado que gerou a morte de M.F”.
Na denúncia, o MPMG apontou ainda que a mãe da criança teria
contratado o suposto “pai de santo” para que realizasse um trabalho espiritual
a fim de não perder o marido em razão de recente separação, iniciando-se
posteriormente um novo trabalho que ocasionou a morte da criança.
Livros de bruxaria
“Comprovou-se ainda que os familiares da menina tinham
livros de bruxaria armazenados no computador e na residência, o que demonstra
que os atos praticados eram de conhecimento de todos, sendo que o álcool
utilizado era superior a 70%; além de possuírem o dever legal de proteção e com
os atos, contribuíram para a morte de uma criança”, ressalta trecho da nota do
MPMG.
Ainda conforme a denúncia do MP, após o ritual, os
denunciados fizeram diversas modificações na cena do crime, com o objetivo de
induzir a erro o juiz ou o perito, destaca a denúncia. “Eles se reuniram e
ocultaram os instrumentos utilizados, simulando a versão de acidente doméstico
durante um possível churrasco, demorando, inclusive, no socorro à vítima”,
finaliza a nota.
Defesa da família da
vítima
Frente à denúncia do MPMG, o advogado da família da vítima,
José Rodrigo de Almeida, disse, inicialmente, que houve ocultação da real
situação ocorrida porque temeu-se, não o peso da justiça, mas a repercussão
negativa advinda da intolerância religiosa. “Fato que, fatalmente, aconteceu
com a divulgação midiática, sobretudo pela declaração inicial do Delegado de
Polícia, asseverando tratar-se de ritual com espíritos malignos”, considerou.
Até o presente momento, ainda conforme o advogado, a Polícia
Civil investigou, produziu provas, promoveu os indiciamentos, o Ministério
Público denunciou, o acervo processual está com aproximadamente novecenta
páginas e a defesa, sequer iniciou seu trabalho, o que deve ocorrer daqui em
diante.
“Provaremos que nosso cliente e nossas clientes jamais
imaginaram que Maria Fernanda fosse falecer, a criança saiu da residência
andando e conversando, nunca tiveram a intenção de ferir a filha, sobrinha e
netinha, sempre foram zelosos com sua criação, pessoas extraordinárias, bem
quistas, com reputações ilibadas, trabalhadoras.
A proporção que o caso tomou, o espetáculo midiático,
pré-julgou cidadãos e cidadãs, que sequer tiveram suas imagens respeitadas e os
princípios basilares do direito preservados.
Parte da mídia, processou, julgou e condenou a família”,
afirmou.
O advogado reconhece que o episódio foi lamentável, pois uma
vida foi ceifada. “Tudo isso é muito sério, mas o contraditório, o direito à
defesa, entregar a cada um sua pena, quando devida e merecida, na medida
daquilo que efetivamente praticaram, de acordo com a sua participação, é o
correto, o justo, o que se espera ao término do processo, ao se concluir o
procedimento, com sentença transitada em julgado.
Certamente, a realidade dos fatos se fará presente com a
prova da inocência desta família que sofre, dilacerada, destruída, pela perda
da pequena Maria Fernanda e pela prévia condenação de parte da sociedade.
A defesa provará que a denúncia não subsiste, ao longo da
instrução criminal e do devido processo legal”, finalizou – EM.
Carlos Magno
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