Após parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), a
superintendência do Ibama no Rio de Janeiro anulou a multa de R$ 10 mil
aplicada ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) em 2012 por pesca irregular em
Angra dos Reis (RJ). O ato, de 20 de dezembro de 2018, ainda no governo Michel
Temer (MDB), retira seu nome do cadastro de pessoas físicas e jurídicas que têm
dívida ativa com a União.
A avaliação da AGU, que acompanha a aplicação de penalidades
por crime ambiental, foi a de que Bolsonaro não teve amplo direito de defesa
nem teve resguardada a garantia de contraditório. Em seguida, a equipe de
cobrança da Procuradoria Geral Federal do órgão enviou o processo ao Ibama do
Rio para novo julgamento.
A praxe no Ibama é de respeitar as recomendações, salvo
conflito com outros posicionamentos da AGU ou outras normas legais. O mérito do
processo, ou seja a autuação em flagrante de Bolsonaro, ainda não foi decidido.
No ato que fundamentou o recuo, o procurador federal Felipe
Fossi Machado, da AGU, afirmou que as decisões da primeira e da segunda
instância do Ibama "não analisam os argumentos das peças defensivas [de
Bolsonaro] e não fundamentam os respectivos indeferimentos".
"Portanto, tais decisões são nulas, devendo os autos
retornar à autoridade julgadora de primeira instância para que nova decisão
seja proferida, devidamente fundamentada", escreveu ele, em documento de 7
de dezembro.
Machado afirmou que é necessário "resguardar as
garantias do contraditório e da ampla defesa" e determinou que o Ibama
proceda "ao devido esclarecimento do ocorrido e correção do vício
indicado, com a toda a brevidade que o caso requer".
Com a decisão, o processo voltará à estaca zero na
tramitação dentro do órgão, o que dará ao presidente chance de se defender
novamente e entrar com recursos. A possibilidade de que ele seja punido, no
entanto, será mantida, já que a prescrição leva 12 anos, ou seja, em 2024.
Em ofício endereçado a Bolsonaro em 4 de janeiro, três dias
após a posse, o superintendente substituto do Ibama no Rio de Janeiro, Adilson
Gil, informou que as decisões contra ele tomadas na primeira e na segunda
instância do órgão foram anuladas e que o nome do presidente foi retirado da
lista de devedores da União.
É praxe que a AGU emita pareceres em casos do tipo, já que o
órgão é o responsável por garantir a legalidade na execução da dívida. Os
procuradores que fazem o acompanhamento têm a obrigação de analisar a
tramitação da ação e apontar eventuais problemas.
Nomeada por Temer, a ex-presidente do Ibama Suely Araújo,
que pediu demissão na última segunda-feira (7) disse que desconhecia tanto o
parecer quanto a decisão da superintendência fluminense.
"Esse processo é atribuição da superintendência do
Ibama no Rio de Janeiro. As superintendências estaduais da autarquia são
responsáveis pelo julgamento de processos com multas de até 500 mil reais.
Soube da recente decisão apenas hoje, por meio de uma rede de servidores do
Ibama", afirmou.
Bolsonaro foi flagrado às às 10h50 do dia 25 de janeiro de
2012, uma quarta-feira. Estava em um bote inflável dentro da Esec (Estação
Ecológica) de Tamoios, categoria de área protegida que não permite a presença humana,
em Angra dos Reis (RJ).
Os agentes presentes relataram que Bolsonaro se negou a
mostrar os documentos e ligou para o então ministro da Pesca do governo Dilma
Rousseff, o petista Luiz Sérgio, para escapar da autuação, mas a resposta foi
negativa.
A defesa de Bolsonaro sobre a multa foi protocolada no Ibama
em 22 de março de 2012. O argumento do então deputado federal era de que ele
estava decolando do aeroporto Santos Dumont na hora e local da autuação, apesar
de ele ter sido fotografado no momento da flagrantes.
A justifica do então deputado cita a data do auto de
infração, 6 de março, e não no dia da ocorrência. A demora para a emissão
ocorreu porque Bolsonaro não quis mostrar os documentos, dificultando a
aplicação da multa.
Em decorrência disso, Bolsonaro foi notificado sobre a multa
em 6 de outubro de 2014. A partir daí, tinha prazo de cinco dias úteis para
pagar. Como não o fez, a dívida foi inscrita no Cadin (Cadastro Informativo de
Créditos não Quitados do Setor Público Federal) em 16 de março de 2015.
Em dezembro, Bolsonaro disse que iria pagar a multa, mas
criticou os agentes ambientais: "Vou pagar essa multa? Vou. Mas eu sou uma
prova viva do descaso, da parcialidade e do péssimo trabalho prestado por
alguns fiscais do Ibama e ICMBio. Isso vai acabar".
À reportagem, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
disse que o fato de Bolsonaro ter sido flagrado com uma vara na mão em área
protegida não é evidência suficiente para a autuação.
"Ele não foi multado por pescar. Ele foi multado porque
estava com uma vara de pesca. O fiscal presumiu que ele estava pescando. Então,
veja bem, o exemplo que você deu já mostra como a questão ideológica permeia a
atuação estatal nesses casos", afirmou logo após ter sido nomeado.
Reservadamente, servidores do Ibama dizem temer que a
decisão de agora seja usada por Bolsonaro para atacar a reputação do órgão, já
fragilizado por causa de intensas críticas do novo governo. O entendimento é
que o presidente e seus aliados podem tomar o caso como exemplo de que os
processos do órgão são falhos.
Outra corrente vê de maneira oposta: acredita que o recuo do
processo à primeira instância pode demonstrar que o órgão se dispõe a rever
decisões que contenham falhas e a garantir um julgamento justo para cidadãos
que são autuados.
A ausência do amplo direito ao contraditório, reconhecida
pelo Ibama, poderia ser benéfica a Bolsonaro no futuro caso ele decidisse
contestar a autuação na Justiça. O presidente teria margem para desqualificar a
decisão administrativa, argumentando que sua defesa não havia sido plenamente
ouvida – com informações da Folhapress.
Carlos Magno
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